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Sobre praticar na medida certa

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Uma das principais histórias dos discípulos do Buddha é a história de Sona, o discípulo considerado como o melhor no quesito esforço. Diz a história que Sona era de uma família nobre, vivendo no puro luxo. Inspirado pelo Buddha, ordenou-se. Depois de sua ordenação passou a exercer o máximo de esforço possível na prática, andando descalço por caminhos pedregosos, etc. Uma noite, Sona estava se dedicando à meditação andando até de madrugada, quando o Buddha viu o que ele estava fazendo e foi dar-lhe um ensinamento. O ensinamento que ele lhe deu tornou-se o principal símile até hoje para abordar a questão: Ele perguntou a Sona se ele antes de ordenar-se era um músico experiente, ao que Sona respondeu que sim. Então o Buddha prosseguiu perguntando: “quando as cordas do instrumento estão muito frouxas elas produzem bom som”. Sona Respondeu que não. “Quando as cordas estão muito tensas elas produzem bom som?”. Novamente, Sona respondeu que não. A expansão do significado disso foi que, se o p...

Dois métodos de meditação

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  Certa vez me pediram instruções de meditação. A resposta que dei foi baseada na minha perspectiva geral do assunto, e até hoje foram as instruções mais sucintas e eficazes que pude dar. Repassei para a pessoa dois métodos. O primeiro consiste em encontrar algo para focar. Tem que ser algo calmo e agradável. Pode ser uma frase, a respiração no nariz, ou no peito. Pode ser algo externo como a água de um rio, etc. E apenas manter-se naquilo. Não é para tentar apagar os outros pensamentos, é criar a capacidade de estar com uma coisa durante um longo período de tempo. O segundo método é não focar em nada. É apenas perceber o que está acontecendo no momento presente. É um estado de contemplação. Deixar sua mente ir para onde quiser e observar ela indo. Com esses dois métodos eu disse para a pessoa usar o que mais lhe agradasse, e quando cansasse de um era para trocar para o outro. Nenhum compromisso, apenas manter-se fazendo o que fosse mais confortável. A ideia é construir concentraçã...

Sobre os efeitos da generosidade

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Nesses tempos recentes algumas coisas tem rodado a minha mente. As principais são: a necessidade de arranjar um emprego estável e a de ter recursos para poder deixar a casa de meus pais. Elas naturalmente derivam da situação estranha que quase uma década de dedicação à vida espiritual deixou no meu histórico profissional. O medo de uma vida econômica instável ronda todos nós, mas no fundo é apenas isso: medo. Paralelo a essa situação, uma das atividades que passei a realizar nas horas vagas é ajudar uma pequena ONG que ajuda a alimentar moradores de rua: algumas doações e algumas horas cozinhando aqui e ali. Algo que me interessou foi a alegria de alguns dos que veem receber a doação. Não são todos, é claro, mas muitos deles ainda tem muita vida apesar da situação difícil em que estão. A comida é boa. Feita com o que é possível angariar na semana, respeitando os valores de oferecer uma quantidade capaz de matar a fome (sempre uma porção generosa) e uma qualidade razoável (não costuma f...

Ansiedade por meditar?

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  Às vezes vejo algumas pessoas reclamando que a prática de meditação despertou nelas mais ansiedade e insatisfação do que tinham antes, que criou mais problemas do que curou. Não foi particularmente meu caso quando comecei a meditar, mas não é raro isso. Algumas pessoas gostam desse mergulhar na noite escura e reconstruir da vida, ou até veem esse como o caminho espiritual verdadeiro. Mas embora isso seja um tanto comum por aqui, comparo com os praticantes que conheci na Tailândia e quase nenhum deles apresentava esse perfil na prática. Tal comparação me trouxe a vir escrever esse texto. De fato muitas pessoas tem sua vida organizada e pronta e quando encontram um caminho de autodescobrimento muitas certezas caem por água abaixo. E é nesse tipo de situação que a busca espiritual apresenta esses sintomas de ruptura e ansiedade. Talvez o principal fator que desencadeie isso é o de encontrar com uma filosofia de vida (seja budista ou outra vertente ...

Dois dedos de Samadhi

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  Um tema que é um pouco delicado de falar é sobre samadhi. E quando falo de samadhi estou falando principalmente sobre o que a Tradição das Florestas chama de samadhi, e que os birmaneses chamam de Vipassana Jhanas. Um estado calmo em que a mente não se interessa pelas coisas que experiencia e os pensamentos param ou quase param.   (Jhanas, ou Samatha Jhanas - estados de profunda absorção em que a mente quase pára, são outra história, ficam para a próxima) É um tema delicado por que as pessoas pensam que se trata de um estado muito especial, o que eu vou provar no decorrer do texto que não é tudo isso. Como samadhi é visto como 'atingir' algo, muitas pessoas acabam atrelando ego a isso. E sim, por aqui onde poucas pessoas meditam, ter atingido samadhi pode parecer grande coisa. Mas se você conversar com alguns praticantes na Tailândia, onde basicamente todo mundo tem uma noção de meditação, ter experienciado samadhi é como ter um carro: não é nada demais para ninguém.   ...

Por que pensamos tanto?

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Uma reflexão que me é frequente é o nível de pensamento discursivo que temos. As pessoas que vem para a meditação sempre tem a impressão de que pensam “demais”. Esse adjetivo ‘demais’ apenas aponta que estamos passando de um certo ponto em que estariamos pensando ‘na medida certa’. Um parêntesis aqui se faz necessário. Uma das minhas reflexões que leva ao tema é o nível de pensamento intelectual que temos. Eu sempre fui apaixonado por livros, até mesmo passei do ponto. Mas isso moldou muito a minha personalidade e a minha maneira de resolver, ou criar, problemas. Nos tempos modernos somos expostos a um nível de informações e estudo sem precedentes na espécie humana. Pouco mais de 100 anos atrás algo como 90% da população mundial devia ser analfabeta. Quem já viu uma criança se alfabetizando pôde notar a quantidade de esforço e consistência por anos para essa criança começar a ler. E depois temos as matérias mais avançadas até o segundo grau, da faculdade, até o mestrado. De alguma mane...

Um monge comum

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  Seu nome é Lp Sombun. É um dos discipulos mais antigos de LP Anan. Estava em Wat Marp Jan logo no começo. Baixinho mas troncudo, com dez vassas estabeleceu o recorde de jejum em Wat Marp Jan: 49 dias. (consumindo apenas pequenas porções de pana , basicamente açúcar). Foi um tipico monge de tudong na sua época, com aquelas clássicas histórias de dificuldades, tigres e elefantes na floresta. Mais tarde tornou-se um excelente monge para trabalhar com construção. (hobby de 80% dos monges tailandeses para ser sincero). Talvez seja o monge mais durão no círculo de discípulos de LP Anan. Uma vez o vi doente em seu monastério, só parou de trabalhar quando estava a ponto de ser hospitalizado. Mas sua principal característica, a que mais me fez admirar ele, era exatamente o oposto do que se poderia imaginar do que descrevi acima: ele era a pessoa mais amorosa que já conheci. De começo ele podia ser quieto, olhar para você com cara séria e explodir perguntas no momento que você e...